terça-feira, 14 de agosto de 2018

Mais de 1,5 milhão de brasileiros não param de se coçar sem saber o porquê 80 Lúcia Helena 14/08/2018 04h00 Crédito: iStock Na vida de mais de 1,5 milhão de brasileiros — e de 1 a 2% da população mundial  —, num belo dia, elas... - Veja mais em https://luciahelena.blogosfera.uol.com.br/2018/08/14/mais-de-15-milhao-de-brasileiros-nao-param-de-se-cocar-sem-saber-o-porque/?cmpid=copiaecola

domingo, 12 de agosto de 2018

 
© Reprodução

Quando se fala sobre a criatura mais rápida do mundo, é comum que sejam citados o falcão-peregrino, guepardos ou marlins (peixe que pode atingir mais de 120 km/h), no entanto, como mostrado por pesquisadores do Georgia Institute of Technology, nos esquecemos de citar o Spirostomum ambiguum — uma criatura que parece uma larva que atinge velocidades impressionantes em seu processo de encolhimento.

• Qual é o animal mais imundo?

Spirostomum ambiguum é um protozoário unicelular que é frequentemente achado em lagos e lagoas e normalmente se movimenta usando pequenas células chamadas de cílios. Mas quando o S. ambiguum é surpreendido, o protozoário de quatro milímetros de comprimento se contrai com a velocidade da luz, reduzindo o seu corpo em mais de 60%. Ele realiza a atividade em apenas uma fração de segundo; sua transformação em um objeto que lembra uma bola de futebol americano ocorre quase que instantaneamente ao olho humano.

Agora, a resposta de como o S. ambiguum consegue fazer isso de modo que não leve à destruição completa de seus órgãos internos pode ser resumida da seguinte forma: ¯\_(ツ)_/¯

Os pesquisadores da escola de química e engenharia biomolecular da Georgia Tech gostariam de resolver esse mistério, e uma recente bolsa de quatro anos recebida da National Science Foundation deve ajudar na tarefa.

Pode parecer algo meio esquisito estudar os movimentos quase impossíveis de tal criatura, mas conclusões nessa área podem levar a avanços da robótica e da nanotecnologia. A natureza claramente encontrou um caminho para realizar a tarefa — e os cientistas agora precisam entender os detalhes.

Reprodutor de vídeo de: YouTube (Política de Privacidade)


“Como engenheiros, gostamos de observar como a natureza lida com desafios importantes”, disse Saad Bramla, professor assistente da Georgia Tech, em um comunicado. “Estamos sempre pensando em como reproduzir essas pequenas coisas que vemos na natureza. Se entendermos como elas funcionam, talvez isso possa servir para pequenos robôs que precisam se mover rapidamente com pouco uso de energia.”

Grandes vertebrados, como guepardos, pássaros ou humanos, dependem de proteínas chamadas actina e miosina para se moverem. O mesmo não ocorre com os protozoários, que se movem usando pequenas molas moleculares e motores biológicos. Além disso, esses mecanismos dependem da física de criaturas muito pequenas e possivelmente não podem ser reproduzidos em animais maiores.

“Se eles tivessem as proteínas actina e miosina, que compõem nossos músculos, eles não poderiam gerar força o suficiente para se mover tão rápido”, disse Bhamla. “Quanto menor eles forem, mais rápido eles serão — 200 m/s2. Isso é impressionante.”

De fato, isso é uma aceleração de 201 m/s (723,6 km/h), o que é cerca de 80% da aceleração da língua de um sapo quando ele captura sua presa, ou cerca de 73% da aceleração de um míssil AMI-9E.

Para resolver esse mistério, Bhamla e seus colegas vão usar matemática. “Por exemplo, nós queremos saber o que é o limite fundamental para aceleração em uma célula viva”, disse. “Queremos mapear tudo o que essa criatura está fazendo e modelar isso no computador, por meio de uma abordagem de engenharia. Queremos saber como uma célula consegue atingir tal aceleração e como usam as molas moleculares para amplificar sua força.”

O sucesso nesse tipo de estudo pode resultar no desenvolvimento de maquinário molecular e de microrrobôs capazes de acelerações semelhantes e, mais importante, capazes de sobreviver a esse movimento incrivelmente rápido.

“Meu treinamento em biologia sugeria que as células eram apenas simples pacotes de fluídos e que não faziam muita coisa, mas que continham uma série de tecidos interessantes”, disse Bhamla. “O Spirostomum é completamente diferente das células a que estamos acostumados.”

Como todos sabemos, o guepardo é o animal mais rápido do mundo, mas, como curiosidade, o animal terrestre mais rápido quando se leva em consideração o tamanho é o Paratarsomus macropalpis, um ácaro nativo do sul da Califórnia.

Essa criatura pode viajar a 322 comprimentos de corpo por segundo, o que para um humano seria como correr a 2.092 km/h.

sábado, 4 de agosto de 2018

Veja

Está sendo feita hoje no Brasil a que talvez seja a maior campanha pela ilegalidade já tentada neste país desde que os acionistas majoritários da vida pública nacional resolveram, há uns trinta anos, que isto aqui deveria ficar com cara de lugar sérioFizeram uma Constituição com 250 artigos e mais de 100 emendas — sendo que boa parte dessa maçaroca não foi regulamentada até hoje, de maneira que não dá para saber direito o que vale e o que não vale. Escreveram mais leis do que qualquer outro país do planeta. Criaram uma espécie de Espírito Santo chamado “instituições”, ente invisível que flutua acima de tudo e de todos, embora muito pouca gente saiba realmente o que vem a ser isso. O tempo e os fatos mostraram que esse esforço para montar um Brasil civilizado se transformou numa piada — na verdade, a democracia moderna que se pretendia criar foi sendo desmanchada, na prática, a cada artigo da Constituição que ia sendo escritoA ofensiva, agora, é para desmontar de vez o princípio básico segundo o qual a lei tem de ser obedecida por todosÉ isso, e apenas isso, que quer dizer a campanha para soltar o ex­-pre­sidente Lula da cadeia, achar um jeito de ele concorrer à próxima eleição presidencial e garantir que volte ao Palácio do Planalto.

Trata-se de um conto do vigário de tamanho inédito, a começar pela ambição da mentira contada ao públicoNada do que o sistema de apoio a Lula pretende, e que a mídia divulga diariamente como a coisa mais normal do mundo, pode ser feito sem desrespeitar a lei. É como se alguém quisesse participar de um concurso popular para ser escolhido imperador vitalício do Brasil, ou algo parecido — não dá para fazer uma coisa dessas, não é mesmo? Mas é esse o tema número 1 do debate político do momento. Lula, como se sabe, está no xadrez, condenado a doze anos de prisão por corrupção e lavagem de dinheiro. Recebeu sua sentença de condenação na 13ª Vara Criminal da Justiça Federal em Curitiba, em 12 de julho de 2017, e, de acordo com a lei, recorreu em liberdade da decisão. Essa sentença foi confirmada e aumentada seis meses depois, em 24 de janeiro de 2018, por unanimidade de votos, por três desembargadores do TRF4 de Porto Alegre, o tribunal superior encarregado de julgar o caso. No último dia 7 de abril, enfim, não havendo mais nada a ser feito, Lula foi presoAo longo dessa história, seus advogados entraram com mais de setenta recursos; não dá para dizer, em nenhum momento, que qualquer dos direitos do réu para se defender tenha sido violado.

O ex-presidente está na cadeia porque não poderia, muito simplesmente, estar em nenhum outro lugar — é para lá que a lei penal manda os criminosos depois de condenados em segunda instância. Fazer o quê? Muita gente pode achar que a sentença foi injusta, assim como há muita gente achando que foi justíssima. Mas achar uma coisa ou a outra não muda nada. Só a Justiça, e ninguém mais, tem autorização para resolver, no fim de todas as contas, se alguém é culpado ou não. Em algum momento, mais cedo ou mais tarde, o sistema judiciário precisa dizer se as provas apresentadas contra o réu são válidas ou não; se forem consideradas válidas, o sujeito vai para a penitenciária. Isso não depende da opinião de quem gosta de Lula ou de quem não gosta. É a lei que decide — e ela é igual para todos. Ou se faz assim ou ninguém será condenado nunca, porque os advogados vão continuar dizendo até o fim da vida que seus clientes não fizeram nada de errado. Muito bem: só que Lula e os seus fiéis não aceitam issoObviamente, um indivíduo que está preso não pode, ao mesmo tempo, ser presidente da RepúblicaA saída da esquerda, então, tem sido manter de pé uma fake news monumental — Lula é um “preso político” que tem de ser solto para candidatar-se à Presidência, ganhar a eleição e recomeçar os seus “programas sociais” em favor dos pobres. Além do mais, “todas as pesquisas” dizem que o presidente tem de ser ele. Onde já se viu uma bobagenzinha como a aplicação da lei penal, mais a Lei da Ficha Limpa, ficar atrapalhando tamanho portento?

É essa novena que vem sendo pregada todos os dias pelo Brasil pró­-Lula — artistas, intelectuais, “celebridades”, a maior parte da mídia, a Rede Globo, os empreiteiros de obras, os fornecedores de lixo enferrujado para a Petrobras e todos os que estão impacientes para voltar a roubar em pazNão há sequer uma sombra de presença do povo brasileiro, não do povo de verdade, em nada disso aí. É pura sabotagem contra o que ainda sobra de nossa escassa legalidade.

quinta-feira, 2 de agosto de 2018

Leite fermentado é probiótico? Por que ele vem em um frasco tão pequeno?

Getty Images
No pequeno frasco do leite fermentado tem a quantidade segura de bactérias para garantir benefícios ao organismo sem causar reações adversasImagem: Getty Images
Chloé Pinheiro
Colaboração para o VivaBem
02/08/2018 04h00
As descobertas sobre a importância da microbiota intestinal para a saúde dispararam o interesse pelos probióticos, produtos que possuem bactérias consideradas “boas” para o organismo. Isso fez alimentos como kefir e kombucha ganharem muito destaque.
Mas onde fica um produto clássico nessa história: o leite fermentado vendido no supermercado? Encontrado em embalagens bem pequenas --alvo de disputas inesquecíveis entre irmãos na infância --, ele está entre os probióticos mais populares e conhecidos, e com razão.
Há vários estudos sérios comprovando que os leites fermentados comercializados possuem quantidades adequadas de micro-organismos --que, para um produto ser considerado probiótico, devem chegar vivos ao intestino, promovendo benefícios à saúde”, aponta Susana Saad, farmacêutica-bioquímica e professora da USP (Universidade de São Paulo). 

Veja também:

O que são os probióticos?

A premissa desse grupo alimentar é equilibrar a população das bactérias que vivem em nosso intestino, para que elas trabalhem em prol do corpo humano. Os principais micro-organismos considerados benéficos são os lactobacilos e as bifidobactérias.
“Se consumido diariamente, o leite fermentado pode auxiliar na recomposição e manutenção da microbiota, contribuindo para uma boa digestão, melhor aproveitamento de nutrientes e funcionamento do intestino”, destaca Mirna Barreto Cerqueira, nutricionista graduada pela USP.

O que é o leite fermentado?

Como o próprio nome diz, é um leite que sofre fermentação de bactérias --geralmente lactobacilos. Além de conter micro-organismos benéficos para o intestino, o alimento é fonte de proteínas e cálcio, nutrientes presentes no leite. Vale lembrar que o kefir também é um tipo de leite fermentado. 

Por que ele é tão pequeno?

Na pequena embalagem do leite fermentado há um número seguro de bactérias para garantir benefícios ao organismo sem provocar reações negativas. Os especialistas explicam que algumas pessoas podem sentir desconforto intestinal ao tomar grandes doses de leite fermentado.
“O ideal é iniciar o consumo com pequenas doses e ir aumentando conforme as necessidades individuais de cada um, de preferência com orientação profissional”, orienta Cerqueira. Mas nada impede de beber mais de uma garrafinha, se você tiver vontade e notar que isso não traz problemas intestinais.

Bom para todas as idades

Os leites fermentados infantis são fabricados com bactérias que atuam no funcionamento adequado do intestino e na prevenção de infecções que podem causar diarreia --algo bem comum na infância. “Os lactobacilos competem com agentes patogênicos e, assim, impedem que eles se multipliquem e causem problemas”, detalha Renata Cintra, nutricionista e professora do Instituto de Biociências da Unesp (Universidade Estadual de São Paulo), campus de Botucatu.
Para os pequenos, isso é importante porque a microbiota ainda está em formação e, assim, as crianças ficam mais vulnerável a desequilíbrios e à ação de micro-organismos que provocam doenças. Idosos também se beneficiam do consumo de leites fermentados específicos, pois possuem o sistema gastrointestinal mais sensível.
Para os adultos, há mais opções, inclusive com maior quantidade de bactérias. Os probióticos podem ser usados tanto diariamente, para regular o funcionamento do intestino e fortalecer a imunidade, quanto pontualmente, depois de um tratamento feito com antibióticos, por exemplo. 
Como possuem ações diferentes, é possível fazer testes com os produtos e, sempre que possível, buscar orientação profissional para o consumo.

Mas e o açúcar?

Além da lactose em si, açúcar naturalmente presente no leite fermentado pelas bactérias, esses produtos podem ter ainda açúcar adicionado. “As bebidas com maior teor de açúcar adicionado e sabores artificiais devem ser evitados”, orienta Mirna Barreto Cerqueira.
O ideal é sempre ter em mente que o que vale mesmo é o equilíbrio.
“Uma pessoa sem restrição ao açúcar, ou que não consuma doce em excesso pode, sim, fazer uso do leite fermentado que tenha o ingrediente em sua fórmula”, expõe Cintra.

Não é só tomar probiótico

Por último, mas não menos importante, de nada adianta tomar leite fermentado só de vez em quando ou ainda todos os dias se não houver outros esforços em prol da microbiota. “É preciso garantir substratos, ou seja, alimento para essas bactérias continuarem predominando no intestino”, explica Renata Cintra.
Estamos falando aqui dos prebióticos, nutrientes que dão o combustível necessário para esses micróbios. São, essencialmente, as fibras das frutas, cereais integrais, grãos e leguminosas. O consumo deles deve ser de cerca de 20 g ao dia --para se ter ideia, uma manga pode conter 9 g de fibras prebióticas. Por outro lado, o excesso de açúcar, gordura saturada e álcool tende a diminui a quantidade de bactérias boas para o organismo no intestino.

A Descoberta do Outro: a fúria incontida dos homens de sistema

Flavio Gordon - Gazeta do Povo

“O próximo, com efeito, é intolerável. Sua espessa concretude, seu rosto, seus músculos, seu bigode, nos impelem a derivar nossos bons sentimentos para coisas mais puras e elevadas. Voltamo-nos para a espécie humana, para ideias e causas sagradas. É mais fácil querer bem à humanidade em peso do que ao vizinho que ouve o radioteatro. É mais amplo, mais generoso, falar num microfone virado para o porvir, atirando palavras para um bilhão de ouvidos que ainda não nasceram, do que entrar num quarto cheirando a remédio e a suor”
– Gustavo Corção, A Descoberta do Outro
“A família era o primeiro campo de batalha dos bolcheviques. Nos anos 1920, eles tinham por artigo de fé que a ‘família burguesa’ era socialmente danosa: auto-centrada e conservadora, era vista como um reduto de religião, superstição, ignorância e preconceito”
– Orlando Figes, Sussurros: A Vida Privada na Rússia de Stálin

Antes da internet, a seção de “Cartas dos Leitores” era o único acesso dos jornalistas ao pensamento de seu público. Filtradas e editadas, apresentavam-se ao escrutínio geral vestidas com a roupa que o jornal ou a revista escolhessem para elas. Escolhessem a contragosto, vale dizer, porque, entre os jornalistas da velha guarda, o sentimento de desprezo e deboche para com os dedicados missivistas era uma espécie de tradição profissional. Lembro-me de ter visto certa vez, numa entrevista de bastidor, um jornalista veterano confessando a um colega: “Só maluco escreve para as Cartas dos Leitores” – e riam ambos, ridicularizando à boca pequena o que, com pose de arautos da democracia e da participação popular, afetavam louvar publicamente.

Em geral, aquele espírito blasé de superioridade sobre o leitor continua vigorando no nosso meio jornalístico, tendo inclusive se acentuado na medida mesmo em que a qualidade intelectual dos profissionais de imprensa decaiu vertiginosamente. O fato novo é que, com as redes sociais, os jornalistas passaram a ser confrontados diretamente pelo público, sem filtro e sem edição. Antes tão facilmente domesticado, esse público tornou-se selvagem. Eis então que a velha cultura de desprezo elitista por quem os sustentava – outrora manifesta, com cinismo, apenas no microcosmo das redações – começou a se mostrar, à revelia, nas respostas dos jornalistas às interpelações dos leitores. Deixando de ter apenas boca, os jornalistas ganharam ouvidos, e o que lhes entrou aí adentro não agradou nem um pouco.

Uma coisa era falar para um público mudo, que, quando muito, só podia responder através do próprio jornalista, tal qual um boneco de ventríloquo. Nessas condições, não era tão difícil a manutenção daquela pose de superioridade olímpica, ademais garantida por um ambiente de interbajulação e elogios em boca própria. Outra coisa, muito diferente, era falar após ter ouvido, após ter tido sua autoimagem e autoconfiança desafiadas frontalmente (por vezes, implacavelmente) pelos leitores mais críticos. Depois dessa experiência radical e anárquica de intersubjetividade, a forma expressiva de nossos jornalistas mudou de natureza, tornando-se menos segura de si, menos autenticamente blasé, e por isso mesmo, a título de compensação, ainda mais ostensivamente presunçosa. Ao sair da cômoda relação Eu-Isso e ingressar na desconfortável relação Eu-Tu – para usar a clássica oposição do filósofo Martim Buber (1878-1965) –, o jornalista brasileiro, exasperado, acabou por exibir à luz do sol aquele inconfessável espírito de corpo que, nos idos tempos, entre doses de uísque e guimbas de cigarro, só as luzes frias da redação iluminavam.

Aquela experiência antropológica de descoberta do outro não perturbou apenas os jornalistas, é claro, mas toda a classe de formadores de opinião, para quem o encontro com o público extrapares equivaleu aos primeiros contatos dos navegantes ibéricos com os indígenas americanos. Surpreendidos por experiência tão brutal, e com a autoestima abalada, nossos bem-pensantes (e falantes) começaram por maldizer o incivilizado interlocutor, cuja insubmissão à autoridade moral e intelectual da qual se criam detentores lhes pareceu escandalosa. Como podia o silvícola insistir no churrasco de domingo, se os especialistas diziam ser ele o vilão do aquecimento global? Que tipo de barbárie poderia justificar o interesse por princesas da Disney, se um estudo as mostrava como prejudiciais à autoestima das crianças? Por que todo o horror de presentear meninas com bonecas e meninos com carrinhos, se isso reforçava os estereótipos de gênero? Se, como todo mundo sabe, o correto agora são as lingeries masculinas, por que tantos homens trogloditas se obstinam no uso arcaico das cuecas?

Frustradas as tentativas de conversão dos selvagens à sua fé – a venerável religião do lacre –, a classe falante redirecionou a sua revolta para os próprios meios que possibilitaram o encontro fatídico. “Retiremos tudo o que foi concedido a esses incorrigíveis aborígenes” – era como se dissessem. “Para eles, já basta de Facebook, Twitter, WhatsApp. Até que se tenham domesticado e acolhido a nossa fé, não deverão voltar a dispor dos bens da civilização”. Muitos dos acontecimentos que marcaram os últimos dias parecem ter precisamente esse sentido, com destaque para o apoio declarado de profissionais da imprensa, artistas e autoridades à restrição da liberdade de circulação de informações na rede, e para a alienação provinciana da bancada de jornalistas que entrevistaram o candidato à presidência Jair Bolsonaro no programa Roda Viva da última segunda (30/07/2018). Mas foi a fala de um típico representante de nossa valetudinária intelligentsia – o deputado Jean Wyllys, do PSOL – que acabou sintetizando o presente Zeitgeist.

Entrevistado pelo jornalista Murilo Ribeiro no programa Chega Junto, no YouTube, o deputado tratou basicamente das famigeradas “notícias falsas”. Segundo ele, as pessoas mais predispostas a espalhá-las são aquelas que, ao contrário dele, um autoproclamado “progressista”, não têm discernimento o bastante para desfrutar dos meios de democratização da informação. O deputado referiu-se particularmente a “essas senhoras que estão entrando agora nos grupos de WhatsApp, que estão entrando agora no Facebook, mães, tias…” E, como as palavras “mães” e “tias” houvessem revolvido algo obscuro no recôndito de seu espírito, interrompeu a frase para um decreto categórico: “Eu digo que os grupos de família no WhatsApp são a grande ameaça à democracia”. Compreende-se: é no seio da família que circulam ainda livremente os valores e costumes que ativistas de extrema-esquerda como Jean Wyllys, cujo controle hegemônico das instituições de ensino e cultura vem de longa data, ainda não conseguiram pôr sob o seu jugo.

Confrontado nas redes sociais pela fala autoritária, Wyllys agiu de maneira típica: fazendo-se de vítima. Sua opinião havia sido maliciosamente tirada de contexto, alegou. A declaração, no entanto, é perfeitamente coerente com várias de suas falas anteriores. É precisamente o contexto de atuação pública do deputado que ajuda a esclarecer o sentido preciso do que quis dizer. Certa vez, por exemplo, o sujeito declarou-se contra instrumentos de decisão popular direta tais como plebiscitos e referendos. “A gente não pode deixar na mão de uma sociedade que não é devidamente informada determinados temas” – disse, de novo revelando uma autoimagem distorcida de juiz da história. Em outra ocasião, não se vexou em afirmar cabotinamente: “Os livros, o conhecimento, me livraram dos destinos imperfeitos e me colocaram numa posição de transformar o mundo para melhor”. É sempre como arauto do mundo melhor (“Quero um mundo melhor”, aliás, é a frase de destaque na chamada de sua entrevista com Murilo Ribeiro) que o psolista encara o debate público e a divergência política. Quem não pensa como ele não é apenas alguém com um pensamento diferente, mas alguém atrasado na marcha da humanidade rumo ao progresso.

Espíritos como o de Jean Wyllys, majoritários em nossas classes falantes, exibem um desejo quase patológico de controle total sobre a cultura e a sociedade. São a ilustração perfeita daquilo que, em sua Teoria dos Sentimentos Morais, Adam Smith (1723-1790) chamou de homem de sistema, o sujeito capaz de ser “muito sábio em seu próprio conceito, e frequentemente tão enamorado da suposta beleza de seu plano ideal de governo, que não pode tolerar o menor desvio de qualquer de suas partes” Ainda segundo Smith, esse homem “parece imaginar poder dispor dos diferentes membros de uma grande sociedade com a mesma facilidade com que dispõe as diferentes peças sobre um tabuleiro de xadrez. Não considera que as peças sobre o tabuleiro tenham seu próprio princípio de movimento, distintos daquele que sua própria mão lhes imprime”. E, se é verdade que “alguma ideia geral e até sistemática de perfeição da política e da lei” possa ser útil para orientar as visões do estadista ou de quem detém algum tipo de poder, o filósofo escocês alerta que “insistir em estabelecer, e estabelecer de uma só vez, a despeito de toda oposição, tudo o que essa ideia possa parecer exigir, constitui com frequência o mais alto grau de arrogância. Significa erigir o seu próprio juízo como supremo critério de certo e errado, proclamar-se o único homem sábio e digno da nação, e imaginar que seus concidadãos devam submeter-se a ele antes que o contrário”.

Como não aceitam a antropologia do pecado original, os homens de sistema pretendem encarnar a imagem da nova humanidade que, ideal e perfeita, fatalmente há de surgir nalgum ponto do horizonte da história. Daí não suportarem a ideia de que ainda haja quem não se submeta irrestritamente à sua visão de mundo. Daí que ferramentas como o WhatsApp e o Facebook lhes pareçam tão ameaçadoras, porque os expõe à alteridade cultural, por eles confundida com anterioridade temporal e inferioridade moral. Para o homem de sistema tupiniquim, o Natal em família com as mães e as tias do grupo de WhatsApp equivale a uma descida ao Inferno…