segunda-feira, 28 de maio de 2018

  • Pablo Capistrano
  • 26 de maio de 2018, as 6h06
Cronos devora seus filhos
Cronos devora seus filhos



Conta-se que, quando Nikita Krushchev pronunciou seu famoso discurso secreto durante o vigésimo congresso do PCURSS denunciando os crimes de Stálin, alguns delegados do partido chegaram a cometer suicídio, enquanto um outro tanto enfartava diante da revelação daquilo que todo mundo, ao menos na União Soviética, sabia, mas fingia não saber.

Como qualquer evento traumático, o terror stalinista é o obsceno por trás da experiência revolucionária de 1917. O terror dos expurgos foi o mecanismo excessivo que atuava nos bastidores e que mantinha o cenário político montado durante os períodos mais difíceis de consolidação do regime soviético. Ao ser exposto, esse mecanismo excessivo, “ob-sceno”, que se esconde por trás da cena da revolução,  produziu ao menos dois efeitos imediatos: por um lado criou a tarefa urgente, sempre incompleta, da esquerda enfrentar os conteúdos latentes que deram esteio as suas experiências totalitárias nos anos de 1930; por outro, ofereceu uma poderosa estratégia retórica, cercada por falacias históricas e ideológicas,  para que a direita pudesse esconder suas próprias misérias e lançar sobre as costas dos “totalitários” (sempre empurrados convenientemente para o campo adversário) a responsabilidade moral por toda desgraça e morte que marcou o século XX.

Até hoje, sempre que se fala sobre a revolução de 1917 ou se cita o nome de Karl Marx, aparece alguém para levantar histericamente uma quantidade de impropérios conceituais e um desfile pouco articulado de chavões sobre o totalitarismo aliado a listas e mais listas contendo números estratosféricos de mortos. Isso faz com que personagens como Thanos, Galactus ou Darth Vader pareçam diletantes incompetentes diante de um Stálin que matou “seiscentos zilhões de pessoas”. E tudo isso aqui mesmo, na terra, com os arcaicos métodos analógicos do século XX, sem nenhuma Estrela da Morte que pudesse sair por aí devorando planetas.

Essa estratégia de histeria retórica muitas vezes paralisa a esquerda, incapaz de assumir Stálin como um conteúdo latente. Nesse sentido, a tarefa de ultrapassar  psicanaliticamente o evento traumático do terror passa, de certo modo, por assumir a figura paterna de Stálin, para só assim, compreender o que há de insuficientemente radical no projeto emancipatório da esquerda que fez com que as esperanças democráticas da revolução descambassem em um modelo autoritário.

Mas assumir a figura de Stálin, como um pai terrível,  apesar de necessário, não é suficiente. É preciso também marcar a diferença do terror stalinista para com o terror nazista, sem que isso implique nenhum tipo de autoindulgência.

Na verdade, o mais curioso é que quem melhor apontou para a grande distinção estrutural entre hitlerismo e stalinismo foi justamente um nazista de carteirinha. Em sua famosa e constrangedora entrevista para a revista Der Spiegel,  em 23 de Setembro de 1966 e publicada em 1976, intitulada “Agora só um deus pode nos salvar”, o filósofo Martin Heidegger comparou as câmaras de gás, nos campos de extermínio nazistas, com a moderna agricultura mecanizada.

A comparação foi tão infeliz e embaraçosa para a consciência padrão liberal, que até hoje é assunto nas rodas de fofocas acadêmicas. Mas, antes de ser infeliz, a comparação foi mesmo profundamente equivocada. A comparação com a agricultura mecanizada não se adequa de modo algum aos campos de extermínio nazistas: espaços de uma negatividade radical, ambientes rigidamente administrados por uma técnica de execução em massa cujo fundamento era profundamente niilista e pré-moderno. A despeito de ser, como a mecanização agrícola e a grande indústria, uma expressão da razão técnica, do “dispositivo técnico” (como dizia Heidegger), a fábrica nazista não fabricava nada. Ou melhor, fabricava “o nada” do extermínio total.

A metáfora de Heidegger na verdade deveria ser dirigida aos Gulags stalinistas onde a lógica da mobilização total em busca de uma produção absoluta reduzia seres humanos à espectros fantasmagóricos desprovidos de energia vital. A narrativa stalinista apresentava os Gulags como campos de trabalho e resistência heroica contra o fascismo, marcando uma visão produtivista e modernista que difere em muito da mitologia escatológica da “solução final para o problema judeu” e do “crepúsculo dos deuses” e sua guerra total, radical e definitiva dos nacionais socialistas.

Se o nazismo tinha como objetivo fundamental o extermínio físico puro e simples e a limpeza étnica como elemento de produção de um espaço vital para o povo alemão, os Gulags stalinistas buscavam a mobilização total, absoluta, das forças produtivas de modo a consolidar o esforço stalinista de industrialização em um ambiente paranoico de “cerco capitalista”.

Mesmo durante o período mais selvagem do terror de Stálin, a época dos grandes expurgos de Moscou entre 1937 e 1939, os dados mais fieis, indicam a execução de 680 mil pessoas, em sua grande parte, membros do partido comunista. A maioria dessas pessoas foram executadas ainda na prisão, antes mesmo de serem enviadas aos Gulags, onde, no mesmo período, 1,3 milhões de pessoas foram encarceradas (mais ou menos a população carcerária dos EUA pós era Reagan). Dessa população, mais da metade condenadas por crimes comuns e cerca de 44% por crimes “contra revolucionários”.

No cálculo de mortos muita gente comete, em função de suas preferências ideológicas,  a desonestidade intelectual de colocar na conta do comunismo (como pura abstração conceitual) não apenas as execuções realizadas durante os expurgos de Moscou ou as mortes nos Gulags de Stlálin. Muitos acrescentam ao apurado da catástrofe as mortes da chamada “grande guerra patriótica” (como os russos denominam até hoje a segunda guerra mundial) e da guerra civil, mesmo sabendo que parte substancial  dessas mortes foi causada também pela fome, pelas epidemias, pelo desmantelamento econômico causado pela guerra e coletivizações; e que o esporte de executar gente era tão usual entre os “brancos” anti-comunistas quanto entre os “vermelhos” bolcheviques.

Essas distinções não tornam, obviamente, o terror stalinista menos obsceno, terrível e moralmente insustentável do que o extermínio nacional socialista. O efeito conceitual fundamental dessa distinção é o de aproximar a mobilização total do Gulag, que levou milhões à morte, da mobilização total da globalização capitalista. Desde a chegada de Colombo à América, passando pela conquista do México por Cortez no século XVI até o holocausto do Congo belga no século XIX, descrito de modo magistral por Joseph Conrrad, o sentido dos milhões de mortos e escravizados, resíduos humanos, baixas colaterais do horror de mercado, tem sob seu fundamento o mesmo núcleo ideológico estruturante que instituiu a experiência da modernidade.

A tragédia do colonialismo, da escravidão e do extermínio dos povos americanos obedece, como Heidegger sabia desde os anos de 1930, a uma dinâmica de razão instrumental de produção, de um dispositivo técnico que também gestou as bases ideológicas da mobilização total stalinista. Algo totalmente diverso do niilismo absoluto do extermínio nazista.

A questão é que nunca houve um “manifesto capitalista” que pudesse servir como atestado doutrinário de óbito das milhões de vítimas do processo de expansão colonial e de industrialização dos países ocidentais. Ninguém pôde ser facilmente responsabilizado pelo massacre do Congo, pela grande fome de Bengala ou pelos milhares de mortos pela falta de alimento que assolou as tribos das pradarias norte americanas quando o preço da pele de búfalo disparou no mercado internacional. É mais fácil responsabilizar objetivamente as figuras de Hitler e Stalin pelos massacres de seus regimes e como consequência estrair uma relação de causa e efeito para com as doutrinas políticas que dão fundamento ideológico a esses regimes. Para a direita, no caso do avanço da globalização capitalista, “as coisas simplesmente aconteceram assim” como se o horror econômico fosse um fenômeno natural, tal quais as monções na Ásia, os furacões do Caribe ou a seca do Nordeste.

O cinismo político de uma leitura desse tipo, vale salientar, é tão desconcertante quanto as tentativas de acusar “as mentiras da imprensa ocidental” pelo terror dos expurgos e Gulags.

De mãos dadas, caminham pela trilha do terror os irmãos siameses do iluminismo europeu em sua grande aventura da razão. Lado a lado, liberais e socialistas tem, com seus modelinhos teóricos, os dois pés fincados nas justificativas ideológicas que deram esteio a grande avalanche de mortes em massa que instituíram as bases da modernidade nos últimos 500 anos.

Bem longe deles, anda em caminhos heterodoxos o anacronismo nazista, com seu niilismo pré-moderno e sua escatologia ideológica de um crepúsculo dos povos e das raças em uma grande guerra que vitimaria deuses e homens com a mesma fúria de fogo e sangue.

O fato é que, a despeito dessas semelhanças de família que agrupam e afastam esses “ismos” doutrinários, há pelo menos uma particularidade notável na experiência stalinista do terror.

Quando Krushev pronunciou seu “discurso secreto”, em 1953, dos 139 membros efetivos do Comitê Central do Partido Comunista Soviético eleitos em 1934, às vésperas dos grandes expurgos, apenas 41 tinham sobrevivido.

Dos velhos bolcheviques que fizeram a revolução de 1917 e ganharam a guerra civil, poucos escaparam para ver a denuncia de Krushev contra Stálin exibir as feridas ocultas do regime.

Antes de mais nada, o terror bolchevique que eclodiu de modo mais intenso nos anos de 1930, foi uma espécie de automutilação coletiva. Um suicídio partidário que vitimou os mais próximos, os semelhantes, e não apenas os mais distantes, os “diferentes”, como no caso nazista.  Como uma repetição do terror jacobino da revolução francesa, os expurgos mais pareceram uma performance fatal. Uma encenação farsesca, uma repetição neurótica de um modelo anterior do jacobinismo francês, onde o acontecimento revolucionário, antes de mais nada, se volta com seus próprios produtores.

Tal qual Cronos, que assim como Stálin também assume uma das imagens arcaicas da figura paterna, em sua ansiedade de bloquear o tempo e congelar o potencial disruptivo da história, a revolução, com seus excessos obscenos, acabou, no tempo do terror, a devorar mais uma vez seus próprios filhos.



sábado, 19 de maio de 2018

Da morte do estudante Edson Luís ao famigerado AI5: Sangra-se as liberdades.


Luciano Capistrano
Professor: Escola Estadual Myriam Coeli
Historiador: Semurb/ Parque da Cidade Dom Nivaldo Monte

No dia 28 de março de 1968, um jovem estudante secundarista, Edson Luís de Lima Souto, foi morto em um conflito entre estudantes e a Polícia Militar. O cenário de “guerra” aconteceu no restaurante Calabouço, o uso de armas de fogo, por parte das forças de segurança pública, causou a morte de um jovem, em meio ao agitado ano de 1968. Nesta época, os “ventos” vindos de diversas partes da Europa, principalmente da França, incentiva, em todo Brasil uma reação de parte da sociedade contraria ao rompimento do processo democrático ocorrido com o golpe militar civil de 1964.
 O ano de 1968 é um capítulo importante na mobilização contra o golpe, as praças são ocupadas, o grito por democracia ecoa em diversos lugares do país. A morte de Edson Luís, causa uma comoção em setores, antes silenciados, a classe média vai as ruas protestar contra as ações autoritárias implantadas com os generais presidentes. Conforme o Historiador Carlos Fico:
O impacto na opinião pública foi muito grande. A censura rigorosa da imprensa ainda não havia sido implantada, de modo que os jornais puderam noticiar o ocorrido, inclusive com fotos dramáticas do cadáver do jovem morto. […] Uma faixa exibia frase contundente para a classe média: “mataram um estudante: podia ser seu filho.” […] A morte de Edson Luís gerou protesto pelo Brasil afora […] O governo decidiu reprimi-las. No dia 4 de abril, a polícia montada atacou as pessoas que saíam da missa de sétimo dia de Edson Luís na igreja da Candelária, no centro do Rio de Janeiro. (FICO, Carlos. São Paulo: Ed. Contexto, p. 63-64, 2015).

     A livre manifestação é reprimida, em uma demonstração de força autoritária, os militares impunham a “paz” das baionetas, muitos foram os casos de ataques, como o ocorrido durante a missa de sétimo dia, quando o as escadarias da igreja de Nossa Senhora da Candelária, na cidade maravilhosa, testemunhou a truculência, com salientou Carlos Fico.

A palavra
Silenciada
Não é Palavra
É calabouço.
(Luciano Capistrano)

A sociedade brasileira viveu dias de idas e vindas, nas veredas das liberdades, os movimentos sociais, espalharam por todas as regiões ações de mobilização contras as atitudes repressivas, abria-se uma “fresta” nas portas do arbítrio. O mês de junho é marcado por um dos mais fortes atos em defesa das garantias individuais, a “Marchas dos Cem Mil”. Sobre este momento, o Historiador Jacob Gorender, em Combate nas trevas, faz a seguinte observação:
O dia 26 de junho marcou o momento de auge com a Passeata dos Cem Mil, que se concentrou na Cinelândia carioca e percorreu a avenida Rio Branco, até a Praça Quinze. […] Presentes vedetes da música popular, da televisão e do teatro, escritores, jornalistas e políticos, professores e líderes sindicais. Tal a repercussão que o Presidente Costa e Silva se dispôs a receber em Brasília a comissão representativa dos organizadores da passeata. Nada resultou do diálogo, mas esta foi a única e última vez que um general-presidente concedeu a uma comissão popular. (GORENDER, Jacob. Combate nas trevas. São Paulo: Ed. Ática,p. 148, 1997)

O ano de 1968, com  março marcado com o sangue do jovem Edson Luís, e, junho com a grande marcha dos Cem Mil, não terminou bem para o restabelecimento da democracia. Em 13 de dezembro, o governo do general-presidente, decreta o Ato Institucional n. 5. Este famigerado AI-5, dotou o general-presidente de poderes ditatoriais. Fecha-se o Congresso Nacional, faz escuro a democracia.

1964… sangra-se liberdades!

Memórias das noites sombrias
Sob o manto do medo
Tortura-se
Prende-se
Exila-se
Silencia-se
Desaparecidos políticos.

Memórias das noites sombrias
Sob o manto do medo
Censura-se
O pensar
Mordaça-se
A fala
Democracia interrompida
1964… sangra-se liberdade!
(Luciano Capistrano)

Nestes tempos de democracia em risco, façamos o bom diálogo, lembrar para não repetir. Finalizo, com essa provocação: Da morte do estudante Edson Luís ao famigerado AI5: Sangra-se as liberdades.

quarta-feira, 16 de maio de 2018

Criança morre com suspeita de raiva humana; chega a seis o número de mortes investigadas no Pará

Criança morreu na tarde de terça-feira (15) no Hospital Regional de Breves. São 12 casos notificados, com seis mortes, sendo um confirmado pela Secretaria de Saúde do Pará.

Por G1 PA, Belém
 
Quatro crianças com suspeita de raiva humana seguem internadas na Santa Casa de Misericórdia, em Belém. (Foto: Cristino Martins/Agência Pará)Quatro crianças com suspeita de raiva humana seguem internadas na Santa Casa de Misericórdia, em Belém. (Foto: Cristino Martins/Agência Pará)
Quatro crianças com suspeita de raiva humana seguem internadas na Santa Casa de Misericórdia, em Belém. (Foto: Cristino Martins/Agência Pará)
A Secretaria de Estado de Saúde Pública (Sespa) confirmou mais uma morte de paciente com suspeita de raiva humana, no Arquipélago do Marajó. Até terça-feira (15) foram notificados 12 casos, com seis mortes, sendo um confirmado para a doença. Quatro crianças seguem internadas na Santa Casa de Misericórdia, em Belém; além de uma criança e um adulto no Hospital Regional de Breves. A maioria em estado considerado grave.
De acordo com a Sespa, coletas sorológicas foram realizadas em todos os pacientes que foram internados, inclusive os que morreram. As coletas foram encaminhadas para o Instituto Pasteur, em São Paulo, referência no diagnóstico de raiva.

Prevenção

Equipes da Vigilância Epidemiológica e Vigilância em Saúde estão no local para investigar as suspeitas, em parceria com a Agência de Defesa Agropecuária do Estado do Pará (Adepará) e Ministério da Saúde.
Sespa enviou 1.000 doses de vacinas antirrábicas e 300 frascos de soros antirrábico para região do Marajó. (Foto: Reprodução/TVCA)Sespa enviou 1.000 doses de vacinas antirrábicas e 300 frascos de soros antirrábico para região do Marajó. (Foto: Reprodução/TVCA)
Sespa enviou 1.000 doses de vacinas antirrábicas e 300 frascos de soros antirrábico para região do Marajó. (Foto: Reprodução/TVCA)
A Secretaria ainda reforça que intensificou as ações na região. Foram enviadas na segunda-feira (14) 1.000 doses de vacinas antirrábicas e 300 frascos de soros antirrábico. As ações se concentram na localidade de Rio Laguna, cerca de 70 km de Melgaço, onde residem aproximadamente 1.000 pessoas na comunidade. Até o momento já foram vacinadas 500 pessoas e entregues mosquiteiros para essa população.
Todos os pacientes apresentam quadro semelhante, com sinais e sintomas como febre, dispneia, cefaleia, dor abdominal e sinais neurológicos - paralisia flácida ascendente, convulsão, disfagia (dificuldade de deglutir), desorientação, hidrofobia e hiperacusia (sensibilidade a sons, principalmente agudos).

Histórico

Segundo a Sespa, casos confirmados de raiva humana no Pará não ocorrem desde 2005, quando 15 foram registrados no município de Augusto Corrêa e três em Viseu, nordeste paraense. Todos foram infectados por transmissão de morcego hematófago. No caso de Portel, no Marajó, os últimos casos de raiva humana ocorreram em 2004, atingindo 15 pessoas, também todas transmitidas por morcego.
Morcegos hematófagos podem transmitir a raiva. Os últimos casos confirmados de raiva humana no Pará foram em 2005 e transmitidos pelo animal. (Foto: Adapec/Divulgação)Morcegos hematófagos podem transmitir a raiva. Os últimos casos confirmados de raiva humana no Pará foram em 2005 e transmitidos pelo animal. (Foto: Adapec/Divulgação)
Morcegos hematófagos podem transmitir a raiva. Os últimos casos confirmados de raiva humana no Pará foram em 2005 e transmitidos pelo animal. (Foto: Adapec/Divulgação)
    MAIS DO G1